CAPA DE REVISTA
No Dia 8 de março comemora-se o Dia Internacional das Mulheres. E para homenagear todas as mulheres e incentivar a defesa de seus direitos, valorizando sempre a luta da população feminina, a revista Foco escolheu quatro mulheres que lutam por Justiça no estado para, através delas, homenagear toda a população feminina potiguar.
O papel da mulher na sociedade, hoje, inclui a ocupação de cargos importantes, como é o caso da magistratura. Historicamente um cargo ocupado por homens, a realidade muda e cada vez mais a toga é vestida por mulheres.
No Rio Grande do Norte, a participação das mulheres em cargos da justiça já é quase equiparada à dos homens. São 81 promotoras, 102 juízas, 22 delegadas e uma desembargadora trabalhando em defesa dos direitos dos cidadãos. E isto acontece porque as oportunidades não estão relacionadas ao sexo, mas sim ao nível de conhecimento dos ocupantes de cargos na justiça.Essas representantes da justiça no Estado não se acomodam, elas levantam suas bandeiras, se aplicam ao trabalho e defendem com garra aquilo que o Direito defende como justo.
Judite Nunes, atualmente a única desembargadora mulher do estado
Nomeada Desembargadora do Tribunal de Justiça em 1997, pelo dispositivo do quinto constitucional, na vaga destinada ao Ministério Público, Judite Nunes é, no momento, a única mulher que ocupa o cargo de desembargadora do estado. Ela conta que mesmo sendo a única mulher, jamais sofreu qualquer tipo de preconceito em relação ao sexo na sua vida profissional. “Tenho muito respeito e amizade com meus colegas”, afirma.
Sua vontade de trabalhar com Justiça começou ainda no curso secundário. E estudou para ser desembargadora com objetivo de exercer uma nova forma de trabalho em favor da justiça.
Com sua experiência na magistratura do estado, ela acredita que o fato de ser a única mulher a exercer a função de desembargadora no RN é circunstancial, já que existem muitas mulheres ocupando espaço na justiça potiguar.
Uma característica que Judite Nunes deixa sobre seu trabalho é o sentimento de amor à justiça.
Gilka da Mata, a promotora que está alerta às causas ambientais
Para Gilka da Mata, titular da 45ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da cidade de Natal, o Direito não foi um “amor à primeira vista”. Ao contrário, segundo conta, ela teve mesmo um pouco de rejeição pelo curso porque achava muito formal e muito distante da sociedade. Considerava que o curso era muito focado para área dos interesses privados e extremamente patrimonialista.
No entanto, quando descobriu a existência de um direito voltado para a defesa dos interesses públicos, coletivos - como os que tratam do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio público, cultural, social, das crianças, dos adolescentes, dos idosos, entre outros - Gilka da Mata se identificou com a área. “Aí sim eu percebi que gostava do Direito e que gostaria de contribuir para, em nome de uma Instituição, defender esse Direito de interesse público e social”, fala a promotora.
Além de Direito, Gilka da Mata é formada em Letras e especialista em Gestão Ambiental. Chegou a trabalhar como analista da Justiça, mas achava o cargo muito burocrático. Ingressou na carreira do Ministério Público em 1997 e foi a primeira presidenta da Associação do Ministério Público do Estado do RN – AMPERN.
“Eu, por exemplo, cheguei a trabalhar como analista na Justiça Federal, mas resolvi buscar uma opção na área do Direito que fosse menos burocrática e que pudesse deixar o resultado do meu trabalho com “a minha cara”, razão pela qual fiz o concurso para carreira do Ministério Público. Assumi o cargo de Promotora e fui trabalhar em Ceará Mirim, que foi a minha primeira Comarca (1997). A primeira questão que apareceu na Promotoria para eu resolver foi na área ambiental. Posso dizer que esse meu primeiro caso representou o anúncio do que seria o meu destino.”, revela Gilka da Mata.
Naquela época, conta Gilka da Mata, o seu conhecimento na área ambiental era muito superficial, mas que começou a dar passos largos no estudo das questões, compreendendo a importância dos recursos ambientais e a relação direta que existe entre a boa qualidade do meio ambiente com a saúde e o bem estar das pessoas. Daí em diante, Gilka da Mata já tinha um foco profissional, defender o meio ambiente.
“Fiquei encantada e preocupada com o fato de que muitos desconhecem essa relação. Considerei uma bênção poder utilizar o meu conhecimento e minha força de trabalho para melhorar e proteger o meio ambiente nos seus mais variados aspectos. Cheguei a passar também no concurso para a Magistratura, mas quando fui nomeada para o cargo de juíza já estava no Ministério Público e muito entusiasmada com as questões ambientais, razão pela qual optei por continuar no MP. Acredito que a minha vocação é ser promotora mesmo.”, conta Gilka da Mata.
À frente da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Natal, Gilka da Mata desenvolve um trabalho totalmente focado para melhoria da qualidade de vida urbana, que por sua vez está muito atrelada à qualidade ambiental, ao acesso da população de modo igualitário, sem discriminação e com qualidade aos serviços públicos essenciais relativos ao saneamento básico, à harmonia estética da cidade, à valorização da história, da cultura, da preservação do meio ambiente e do desenvolvimento econômico e social sustentáveis.
Como mulher, acredita na sensibilidade para lidar com questões sociais e ambientais. “A mulher é mais inconformada com as injustiças. Eu acho que essa visão feminina influencia muito o meu trabalho, porque me entristeço demais com os problemas que constato todos os dias na cidade, como a falta de moradia digna, a falta infraestrutura sanitária mínima para uma vida saudável, a deficiência de serviços públicos e tantos outros problemasurbanos”, relata a promotora.
O sentimento que coloca em seu trabalho, acredita, é o que qualifica-o também, já que é preciso realmente abraçar o Direito e as causas ambientais para que realmente haja um resultado positivo na vida dos cidadãos. “Eu tenho muito amor pelo que faço e procuro desempenhar minhas atribuições com muita dedicação. Rezo para que Deus me proteja e ilumine as minhas escolhas e atitudes. Iincluo nas minhas orações diárias a oração de São Francisco de Assis, que diz ´Senhor, fazei de mim um instrumento de Vossa Paz´”, diz Gilka da Mata.
Maria Zeneide Bezerra, uma juíza que não se esquece das questões sociais
Para realizar o sonho de fazer justiça, ela estudou muito. No caminho, muitas dificuldades fizeram parte da jornada. Filha de pais humildes, Maria Zeneide Bezerra morava em Parnamirim e pegava o antigo papa-fila da Base Aérea de Natal, que transportava estudantes para a capital, e seguia seu caminho rumo à escola primária em colégio particular, onde conquistou, com muito esforço, uma bolsa de estudo. E sempre com a consciência de que a educação era a forma de transformar a vida, Maria Zeneide se empenhou e conseguiu uma vaga na antiga Faculdade de Direito.
Descobriu a vontade de ser magistrada cedo, apesar de ter trabalhado um tempo como advogada, ganhando experiência profissional. Em 1979, participou de concurso público para juíza e passou em 4º lugar. Como juíza, Maria Zeneide atuou nas cidades de São Gonçalo, Macaíba, Tangará e Ceará-Mirim, esta última até hoje, como diretora do Fórum.
Em todos os momentos de sua carreira, Maria Zeneide conta que quis decidir conflitos e trabalhar pelo social. Por isso, sempre esteve engajada em projetos que ofereciam apoio educacional para a população. Um exemplo deste interesse é a idealização do projeto Cafuné, um trabalho que leva magistrados a visitarem escolas e colaborar com a implantação de uma metodologia educacional para estudantes, servidores e comunidade. Nestas ocasiões, são realizadas palestras educativas que permitem a sociedade ter maior acesso a informações sobre temas jurídicos.
“Usando de valores como respeito, cidadania, responsabilidade, trabalhamos com servidores, estudantes e professores levando informação e educação. É um trabalho em conjunto, que integra toda comunidade e tem participação da polícia, da igreja, do Conselho tutelar, entre outros”, conta a magistrada.
Segundo Maria Zeneide, com o desenvolvimento social, realizado através de trabalhos como este, é possível se promover mais justiça no país. E para liderar práticas como esta, ela conta que a experiência de vida foi um fator importante. “Claro que ter passado por dificuldades me fez entender melhor a necessidade de se investir no lado social”, conta.
Sobre suas sentenças como juíza, Maria Zeneide relata que sempre “dormiu tranqüila” porque se utilizou da lei para promover justiça. Segundo ela, é muito importante ter consciência de que dar uma sentença não afeta somente à vida daqueles que estão envolvidos, mas serve de exemplo para muitos outros casos.
Num dos momentos mais marcantes de sua carreira, Maria Zeneide conta que teve que ser rápida e sensata para julgar um caso. Uma mãe entrou na justiça para que seu filho tivesse rapidamente a chance de realizar um exame médico, já que a criança corria risco de vida e os hospitais se negaram a oferecer este direito à mulher. Para isso, o caso foi levado à justiça, que não tardou.
Por habilidade e sensatez, Maria Zeneide recebeu o caso às 11h50 e às 12h30 já tinha dado a sentença, exigindo que o estado oferecesse os serviços a cidadã. A atitude salvou a vida da criança. “A gratificação foi saber que a criança hoje está bem. Eu me sinto realizada profissionalmente quando posso fazer justiça. Em nenhum momento pensei em fazer outra coisa, porque sabia que era dessa forma que eu ia conseguir contribuir para uma sociedade melhor.”, afirma a juíza.
Rossana Pinheiro, a delegada que batalha pela humanização no atendimento aos cidadãos
Quando foi convidada para assumir a Delegacia da Mulher de Natal, ela teve receio. Sabia que era preciso muita dedicação e sensibilidade para trabalhar com casos de mulheres violentadas. No entanto, o senso de justiça fez com que ela logo se apaixonasse pelo trabalho e o desafio virou uma missão na sua vida: ajudar mulheres fragilizadas a encontrarem seus direitos.
“Trabalhar com casos de violência, com pessoas violentadas, me fez perceber que era preciso enxergar algo além do que precisa ser dito. Só assim é possível entender a dimensão do problema. É claro, para isso, é preciso colocar a sensibilidade no atendimento, afinal, estamos trabalhando com pessoas sensibilizadas.”, relata Rossana Pinheiro.
Para desenvolver a função com competência, Rossana Pinheiro investiu também em ações e estudo. E, logo, desenvolveu uma estratégia eficiente para lidar com a violência doméstica. Apostando que a repressão não era a única forma de coibir casos de espancamentos, estupros e assédio moral, a delegada da mulher implantou na sua gestão ações educativas, no intuito de conscientizar a população sobre a questão da violência contra as mulheres.
Em seis anos, à frente de diversos trabalhos e casos que envolviam o direito feminino, Rossana Pinheiro concluiu que era preciso fazer mais, afinal, “enquanto o problema existir, a justiça tem que agir”.
“A experiência de entrar em contato com as comunidades foi um embrião para um projeto mais ousado. Idealizamos a Coordenadoria de Defesa da Mulher e das Minorias, que foi um projeto acolhido pela gestão estadual.”, conta a delegada.
Vinculada à Secretaria Estadual de Seguirança Pública e Defesa Social (SESED), a Coordenadoria de Defesa dos Direitos das Mulheres e Minorias (Codimm), coordenada e idealizada pela delegada Rossana Pinheiro, é hoje um órgão responsável pela formulação e execução de diversas ações voltadas para a melhoria das condições de vida das mulheres, em conjunto com todas as secretarias do Governo do Estado e em parceria com o governo federal. Nela, existem dois disque denúncias que são responsáveis pela apuração de casos de violência e maus-tratos contra homossexuais, mulheres e idosos.
Rossana Pinheiro conta que para liderar trabalhos, ações e projetos em defesa da mulher sempre utilizou sua inteligência emocional. “Há algumas preconceitos que precisam ser desmistificados. Para ser um policial não precisa ser grosseiro. Não precisa gritar para ser ouvido. Eu nunca me utilizei da força para fazer justiça, mas sim da lei”, observa a delegada.
Sobre a violência contra mulheres, Rossana Pinheiro considera que a questão é um problema do estado. “A família é o primeiro espaço de socialização humana. No momento que você viola uma pessoa, viola o estado, afinal, o comportamento da pessoa a partir de então vai refletir na sociedade. Por isso, é inadmissível a inércia do poder público.”, opina a delegada.
Em todo seu trabalho, Rossana Pinheiro defende que a educação é chave para segurança. Por isso, a delegada afirma que não se faz somente com repressão, mas com prevenção. “Todos nós temos uma solidariedade em potencial. É preciso aplicar isso no dia-dia, para melhorar o ambiente coletivo”, conclui Rossana Pinheiro.
Em seu histórico profissional, a coordenadora do Coodimm afirma ter sofrido por diversas vezes preconceito em relação ao seu sexo, mas ela disse ter superado esses obstáculos apresentando competência no trabalho.
FONTE: http://www.revistafoco-rn.com/