Rossana Pinheiro
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) prevê no inciso V do seu artigo 35 a possibilidade de criação dos Centros de educação e reabilitação de agressores. Não estabelece, no entanto, em que âmbito deverão funcionar, facultando à União, Estados ou municípios a decisão de instituí-los ou não. No artigo 45 da mesma legislação é acrescido ao artigo 152 da Lei de Execuções Penais, um parágrafo único estabelecendo que o “juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”, mencionando uma nova modalidade de pena alternativa à prisão, além das já elencadas no artigo 43 do Código Penal Brasileiro.
Desde a criação da Lei dos Juizados Especiais Criminais em 1995 que a política criminal brasileira vem adotando medidas, como leciona o ilustre jurista Luiz Flávio Gomes, “em favor da despenalização, que significa suavizar, restringir ou eliminar a pena de prisão”. Diante da moderna política criminal que reconhece a falência das penas privativas de liberdade, a importância da prevalência dos princípios da humanização das penas e da dignidade da pessoa humana, mostra-se urgente que se providenciem os meios de promover a aplicabilidade e a efetividade da Lei Maria da Penha, no tocante às penas educativas e /ou de recuperação do agressor doméstico.
Nesse sentido, várias organizações governamentais e não governamentais, alguns de forma equivocada, trouxeram propostas de trabalhar com o agressor doméstico através de grupos reflexivos, terapêuticos e educativos. A Lei Maria da Penha é nova em nosso país, e muitos aventureiros estão reproduzindo experiências que já se revelaram de insucesso em outros países, onde já se aplica esse tipo de pena há mais de 20 anos, como nos Estados Unidos , por exemplo.
A experiência americana revela que são equivocadas algumas iniciativas que não têm o caráter de pena imposta pelo juiz, trabalhando com o agressor a partir de sua adesão, pois o caráter não obrigacional não vincula o agressor ao programa, gerando a descontinuidade das atividades com ele desenvolvidas, comprometendo os resultados. As melhores experiências foram aquelas vinculadas ao judiciário, com caráter de pena e custeado total ou parcialmente pelo próprio agressor, na medida das suas possibilidades financeiras.
Outro grande equívoco relatado por especialistas americanos, baseado nas suas experiências não exitosas, são os grupos reflexivos ou essencialmente terapêuticos. Os agressores provenientes desses grupos têm um alto índice de reincidência na prática do mesmo crime. As experiência mais exitosa relatada nos Estados Unidos é o modelo de Nova York, baseado em parte no modelo de Duluth, Minesotta. O modelo mencionado consiste na condenação do agressor doméstico a frequentar um programa educativo com 48 encontros, uma vez por semana, custeado pelo agressor ou na sua impossibilidade, pelo Estado. O princípio é a não patologização do agressor, identificando, no entanto possíveis necessidades de tratamento, inclusive para os dependentes químicos , não descartando a inserção de alguns em grupos reflexivos e terapêuticos concomitantes ao programa educativo. Esses programas são desenvolvidos por ONGS ou por órgãos governamentais ligados ao Poder Judiciário, pois a condição indispensävel é que haja uma condenação, não podendo ser de forma alguma encaminhados pela polícia. O programa é ministrado sempre por um casal, pois a figura masculina nesse processo educativo tem sido determinante para a obtenção dos bons resultados com os homens agressores.
É importante que se conheça as boas experiências que existem, embora em outra realidade, pois muito da natureza humana, do sexismo e da violência de gênero, são comuns a quase todos os povos. Desse modo, se evitará a reprodução, por irresponsabilidade ou ignorância, de experiências que já se revelaram fracassadas.