A violência, sob as suas mais diversas manifestações, sempre esteve presente nas sociedades que conhecemos. Quando se fala de violência, no entanto, o imaginário popular nos remete àquelas modalidades cujos resultados tornam-se visíveis e constatáveis como no caso da violência física, ou quando o patrimônio de um indivíduo é destruído ou subtraído. Ocorre que inúmeras outras formas de violência ocorrem todos os dias na sociedade e algumas são tão pouco perceptíveis e tão naturalizadas que não são percebidas como violência. Uma violência bastante naturalizada pela nossa cultura, a qual repudiamos, é a violência institucional. Perversa, ela atinge principalmente as pessoas com menor poder aquisitivo e exclusivamente dependentes dos serviços públicos, dos serviços executados por funcionários "públicos", da ação dos poderes instituídos.
Existem muitas maneiras de praticar esse tipo de violência. Vale ressaltar aquela cometida diariamente pelos funcionários "públicos" de qualquer esfera. Uma forma muito comum, que tem se tornado uma prática no serviço público, é a insuficiência de informações dadas aos usuários dos serviços, ou a ineficácia das providências adotadas que compelem a (o) cidadã(o) a fazer uma verdadeira peregrinação pelos serviços sem que consiga resolver sua questão. Esse tipo de desrespeito faz com que aconteça o que se chama de “Rota crítica”. Essas infindáveis idas e vindas da (o) cidadã(ão) representam um investimento de energia que levam a um desgaste emocional e quando se tratam de vítimas ou pacientes, a uma revitimização.
Quem está executando um serviço público tem uma grande responsabilidade, pois é remunerado com o dinheiro público e trabalha para a população, não para um chefe, ou para um determinado governo. Não pode adotar em sua prática profissional a rispidez, a negligência, a falta de atenção, a frieza, a pressa. As pessoas precisam ser escutadas e atendidas em suas demandas, sem haver nenhuma distinção em razão de sua idade, da raça, da orientação sexual, da sua condição financeira, de sua aparência, de uma deficiência física ou doença mental. Nessa última hipótese é necessário fazer um parêntese e frisar que a pessoa com doença mental, por exemplo, ao solicitar um serviço público, é em regra, imediatamente desacreditada e desqualificada, sem que se dispense um tempo mínimo necessário para averiguar o grau de fantasia e/ou realidade de sua queixa.
Algumas pessoas que conhecemos e que estão na linha de frente de alguns serviços públicos que se denominam "especiais" se vangloriam por propiciarem um atendimento humanizado à população, como se estivessem fazendo algo excepcional. Na verdade, essas pessoas estão apenas cumprindo o seu papel institucional. Atender bem ao público é o normal. Anormal, é não cumprir o seu papel institucional de dar vazão às demandas das(os) cidadãs(ãos), tratando-as (os) com o respeito e a urbanidade necessárias. Anormal é banalizar as necessidades, os direitos e os problemas das pessoas e não lhes oferecer a atenção devida e as providências solicitadas. Anormal é não respeitar a cultura própria, a sabedoria prática, a experiência de vida de cada pessoa. Anormais são aqueles que acham normal essa cultura que naturaliza nos serviços públicos um atendimento que julga, condena, castiga, desqualifica e desrespeita o outro.
Nós que fazemos essa sociedade tão insensível, tão pouco solidária, que tolera e produz em larga escala essa violência perversa, que é a violência institucional, precisamos chamar a atenção dos que fazem os serviços públicos, mesmo que sejam de inciativa privada, de que é necessário mudar essa cultura preconceituosa e segregacionista e fazer o que é normal e justo: oferecer o melhor serviço possível para quem paga, e muito caro, por ele - a cidadã e o cidadão brasileiras(os) - nossos irmãos e irmãs. Deixamos aqui nosso protesto.